terça-feira, 17 de novembro de 2009

um pequeno conto

O paciente entra. Cumprimenta a psicanalista. Aproxima-se do divã. Durante o caminho, perguntara-se se efectivamente existiria esse divã. Verificava agora que não era um mito. Estava ali. A psicanalista sentou-se na cadeira, ficando invisível para o paciente que agora estava deitado no divã. Não havia necessidade de grandes introduções, apesar de ser a primeira consulta do paciente. Ele fora para ali reencaminhado por uma grande amiga, mais velha, que achara que seria boa ideia ele ter uma conversar com aquela pessoa- a psicanalista.
Ele está agora deitado no divã. Acende um cigarro. Era proibido, mas a psicanalista concordara, após este lhe ter explicado, por telefone,que facilitaria em muito a paz no seu estado de espírito. Começariam então
_Doutora, não sei o que estou a fazer aqui… ou melhor… sei. Sei que estou aqui para tentar falar dos meus problemas. A questão que desconheço é precisamente essa: a dimensão ou a real importância dos meus problemas. E mais: desconheço se conseguiremos chegar a alguma conclusão sobre eles. Sabe que eu tento falar deles, por vezes. Deito-me em cima da cama, e em voz muito baixa para não ser ouvido, falo do que estou sentindo, tento encontrar razões, explicações. Mas nunca me parece que vá além do óbvio.
_Mas algum problema o levou a decidir falar com uma pessoa, em vez de o fazer como acaba de contar, em cima da sua cama, em voz baixa.
_É verdade que sim. Mas não foi nenhum problema que se tenha vindo acrescir aos que já tinha. Nada disso. É uma indisposição com que tenho estado. Não sei bem especificar. Um aperto no peito. Como se me estivessem a espremer o coração. Às vezes até nem consigo falar, porque me dá a impressão de que ele se vai esvair em sangue, pela boca.
_Quando sente isso?
_Por exemplo, agora. Agora que tenho que lhe contar o que me tem acontecido.
_Mas consegue falar?
_Sim… consigo… mas sinto-me muito mal… entende?
_Penso que sim. Penso que sei ao que se refere…
_Não lhe chame ansiedade. Eu também sei o que é isso. E não é isso. É outra coisa. Ou talvez seja a mesma, mas em muito elevada dose.
_É a primeira vez que se sente assim hoje?
_Não. Não, doutora. Hoje, isto começou quando me levantei.
_Então conte-me.
_Foi por causa de um sonho que eu tive. Ontem à noite…
parou um pouco, para dar algumas passas mais longas no cigarro. Depois, assim prosseguiu
_Então foi isto: eu sonhei que estava… como direi?... numa espécie de festival ou de acampamento. Estavam lá muitos amigos meus, de fases diferentes da minha vida. Muitos não se conhecem uns aos outros. Mas ali estavam como se se conhecessem. O meu namorado estava lá também.
parou de novo para apagar um cigarro, e logo acendeu outro. Enquanto, a psicanalista toma algumas notas no caderno que tem à frente
_Bem, e então,a certa altura, como é costume acontecer nos sonhos, o cenário torna-se inconsistente com o anterior. Tinha-lhe dito que estávamos num acampamento a conviver… e por aí… mas depois, eu estava numa cama. Não lhe posso garantir, mas eu sentia a presença de pessoas à volta. Parece-me que o quarto em que a cama estava, e eu nela, era todo muito desfocado. Só a cama era nítida. Bem, e em cima da cama, estávamos eu, o meu namorado e outro rapaz, a fazer sexo.
_Quem era o rapaz?
_Não me parece que ele signifique alguma coisa. Era o Pedro, o meu antigo colega de carteira. Ficamos sentados um ao lado do outro em todas as aulas durante cinco anos. Era por ordem alfabética, eu e depois ele.
_E porque pensa que ele estava a fazer sexo consigo e com o seu namorado?
_Bem… ah… não sei. Eu e o meu namorado temos esse princípio. De que não vale a pena negar a atracção que sintamos por outras pessoas. Porque ela em nada afecta os sentimentos que há entre nós. Sexo é sexo. Pode nem ser mais nada do que isso. Portanto, por assim dizer, não há nada nisso de realmente imprevisto.
_Qual é, então, o imprevisto?
_Primeiro, e já que quer que eu considere o Pedro, o facto de ser o Pedro. O meu namorado não o conhece e mesmo eu já não o vejo há muito tempo. Ele não gosta de rapazes. E mesmo que gostasse, ele não era muito bonito. Não era realmente nada de especial, excepto…
_Excepto?
_Excepto os olhos que eram realmente lindíssimos. Azuis escuros. Profundos. Digamos que seriam um dos poucos pontos de interesse que ele tinha. De qualquer maneira, o grande problema do que eu sonhei não, foi, como aliás já lhe tinha dito, o Pedro.
nova pausa, algumas fumaças longas, o paciente mexe-se ligeiramente no divã, esconde a mão que tem desocupada atrás das costas, como se tentasse encolher
_Estávamos, portanto, sobre a cama, enrolados uns nos outros, beijos, abraços, por aí… a doutora percebe. E a certa altura, o meu namorado estende-se na cama, e, muito… ah… muito guturalmente… diz “enraba-me”. E eu fico a olhar e pergunto “eu ou o Pedro?”. E aí, ele, sem sequer me olhar, ele responde “o Pedro, claro!”
_Foi esse o problema? Sentiu-se preterido…?
_Não. Quando pensei nisto, primeiro pensei que sim… Mas… não foi isso. É que… bem… o meu namorado… o meu namorado não gosta muito do meu corpo. E… bem… aquilo foi como receber a real dimensão disso. Foi como se o problema, mais do que nunca, caísse em cima de mim. Ali estava eu, com ele, e com outro. Ele raramente tem esse tipo de comportamento comigo, de me pedir… guturalmente… alguma coisa… e, quando o tem, não é dirigido a mim.
_Ou seja, sente-se preterido… como eu disse…?
_Sim… bem… não é só isso. Não é só o facto de ele ter essa atitude… inflamada… para com outra pessoa. É também a consciência de que comigo ele não tem essa “paixão”… que comigo ele não sente vontade de… percebe?
_Portanto, sente que o priva de alguma coisa.
_Exacto.
_E foi aí que acordou?
_Não. Depois de ele responder aquilo, eu voltei a estar naquele… acampamento… e estava a caminhar. Havia pessoas a caminhar perto de mim, pessoas que eu conhecia… estavamos todos a ir na mesma direcção. E eu sabia onde íamos, apesar de não estar ninguém a falar disso…
_Onde?
_Íamos a um concerto. Da Brandi Carlile, num bar qualquer… Como eu dizia, iam pessoas conncosco, mas mesmo comigo, só vinha uma pessoa. A minha amiga Guida. É a minha amiga mais antiga. Confio nela. E no sonho também, porque estava a tentar contar-lhe o que se tinha passado com o meu namorado e o Pedro. Mas, quando ia começar a contar… acordei. O coração a bombear fortíssimo, uma dor de cabeça… e esta indisposição…
_Essa cantora… tem algum significado especial?
_Não… nem conheço muito dela. Apenas a música mais conhecida, “The Story”… deve estar a ver qual é, fazia a publicidade da Super Bock.
_Então e essa música? Está ligada a algum momento especial?
_Não… Quer dizer, no fundo, faz sentido. Ali estávamos, muitos “amigos”, com cervejas na mão… como na publicidade. Além disso, a música fala daquelas coisas comuns: as frustrações pessoais de uma pessoa que se atenuam com o amor… “All of these lines across my face tell you the story of who I am, so many stories where I have been, but these stories don´t mean anything when you´ve got no one to tell them to, it´s true, like I was made for you…”
_Muito bem… Disse então que acordou com essa indisposição de que fala. Passou?
_Não… durante o dia estive com o meu namorado, encontramo-nos com uma poeta que ambos admiramos. Foi uma conversa estupenda… Mas mesmo assim, eu tinha este aperto dentro me mim…
_Alguma vez tinha tido essa consequência de um sonho?
_Já… Uma vez… Não lhe sei relatar todo o sonho, raramente me lembro do que sonho, salvo em situações pontuais. Mas sei-lhe dizer o final, antes de acordar…
_Sim?
_Bem… eu estava deitado aos pés da cama do meu quarto na casa dos meus pais. Estava um pouco escuro. A luz da rua a entrar pela janela entreaberta, reconheço-a. Eu estava sentado aos pés da cama, e havia alguém deitado atrás de mim. Não sei quem era, mas era um corpo masculino, e quando falou, a voz era masculina também.
_Falou?
_Sim. Eu estava imóvel, sentado. O rapaz estaria a dormir. Mas a certa altura ficou sentado na cama, um pouco atrás de mim. Eu sentia-o acordado. E disse-me “Estou a ver a minha vida, a passar, à minha frente…”. E eu acordei, com o mesmo desconforto.
_Essa frase… O que significa?
_Há aquele mito que diz que no segundo antes da morte vemos a nossa vida inteira, segundo a segundo.
_Acredita nisso?
_Gosto de pensar que seja verdade. Mas não posso mesmo saber… De qualquer maneira, é o único sentido que essa frase tem para mim.
_O que o deixa indisposto é então a morte?
_Não. Penso que, colocando os dois sonhos que tiveram esse impacto em mim, o que realmente os une é o medo.
_Medo da morte?
_Não da minha. Da dos outros. Não tenho medo de morrer, não me preocupa morrer. Mas tenho medo que as pessoas de quem gosto morram.
_Mas não me disse que não conhecia a pessoa atrás de si?
_Sim. Mas pense… Estava deitado na minha cama. Eu sabia que ele estava, e continuava a estar ali, calmamente sentado. E, tendo em conta que estamos a falar num sonho… num agregado de sinais… tenho quase a certeza de que aquela pessoa ali deitada significaria alguém de quem eu gostava. Senão não estaria deitado na minha cama.
_E voltando ao seu sonho de ontem… Tantas coisas… O que depreende do que sonhou?
_Pensei que a psicanalista era a doutora…
_Sim. Mas já que me diz que se tenta psicanalizar sozinho, gostaria de ouvi-lo. Depois poderei intervir, se disso achar necessidade.
_Muito bem… para começar… o acampamento. Nunca acampei, a não ser para festivais de música. Só pode ser isso. O facto de depois estarmos a ir para um bar para um concerto confirma-o. Talvez que se tenha distorcido a noção de festival que tenho. Provavelmente distorceu-se, tendo em conta que uma cama surge algures. O facto de estarem lá tantos amigos ou supostos amigos… de fases diferentes da minha vida… terá talvez a ver com isso. Não consigo estar com eles no sentido pleno da palavra. Apenas nessas situações completamente informais. Ou de grandes grupos, onde a necessidade de conversas, pelo menos sérias, é menor. Mas havia também pessoas de quem realmente gosto, alguns amigos, o meu namorado. Porque não vou a esse tipo de eventos sozinho.
pausa. Novo cigarro. A psicanalista levanta-se e abre uma janela, um tanto indisposta com aquele cheiro a fumo. Ele prossegue, ignorando o som dos passos
_Depois… como lhe disse, a cama, o meu namorado, o Pedro. O que tinha a dizer sobre isso já disse. Ser preterido, para usar a sua palavra, privar o meu namorado de sexo em que ele realmente se sinta liberto no verdadeiro prazer. Eu como impedimento disso. Depois…
_Calma… Penso que se esqueceu de um detalhe. Disse-me que o quarto estava desfocado, mas conseguia sentir que estariam a ser observados.
_Ah… ainda bem que me lembra. Bem… é difícil. Assumindo que quem observava eram as pessoas que eu conheço e que estavam na primeira parte do sonho… É preciso ter em conta que não gosto deles. Portanto, eles estarem ali a ver-me ser preterido… Certamente representa uma humilhação. Suponho que seja isso. Humilhação. Talvez que também nos observemos pelos olhos de quem não gosta de nós e de quem não gostamos. Só assim se pode retirar algum prazer das situações realmente más. Só assim resistimos a elas, não é?
_Muito bem… continue…
_Na terceira parte, estamos a ir para o concerto da Brandi Carlile. É como se a segunda parte tivesse sido cortada a meio, mas tivesse acontecido na mesma. E eu estou consciente disso, procuro a minha amiga para lhe contar. Mas, no momento em que vou a contar acordo…
_Mal disposto. Que lhe diz isso?
_Exacto. Penso que isso tem a ver com a minha personalidade. Mais que atravessar as situações, elas tornam-se insuportáveis quando tenho que falar delas. Talvez que me sinta mais humilhado ainda. Ou mais torturado.
_Muito bem…
pequena pausa. Nenhum dos dois fala. Ele continua a fumar. Depois, é ela que fala
_Tinha-me dito que a sua relação com o seu namorado inclui relações com terceiros. Está realmente confortável com esta situação?
_Sim. Sim, não é esse o problema.
_Explique.
_Estou confortável com essa situação se é algo que os dois fazemos com outra pessoa. Não estou confortável se ele está a fazê-lo com outra pessoa e eu estou ali por obrigação, imposto. Ou então, como um adereço.
_Mas sexo com outras pessoas é sexo na mesma. Sente-se excluido por o seu namorado dizer que quer ser enrabado pelo outro?
_Também não. Aí, a doutora teria que, com toda a idiotice que o que eu vou dizer representa, estar lá. Tinha que ouvir a maneira como ele o disse. Como se realmente o seu interesse fosse, não eu, mas o Pedro.
_Como se a terceira pessoa fosse você.
_Sim. Esse o primeiro problema. O segundo foi o próprio acto de se deitar e lhe pedir que o enrabasse. O que nunca fez comigo. Nunca me pediu. Fazê-mo-lo quando eu pergunto se ele quer. Ou quando faço menção de o fazer.
_Portanto, se por um lado o problema foi ele o ter tratado como o terceiro, por outro lado o problema foi ele demonstrar uma paixão pelo outro que você não sente que incida em si, mesmo na vida real.
_Pois…
_Parece-lhe que essa situação seria transponível para a realidade?
_Não a entendo…
_Caso essa situação estivesse a decorrer não num sonho, mas na realidade, pensa que teria sido assim?
_Pois, não sei. Não aconteceu ainda irmos com outra pessoa. Mas o resto confirma-se. De facto, o meu namorado não demonstra grande prazer do meu corpo.
_Mas têm sexo.
_Sim. Mas penso que não seja necessariamente por causa do meu corpo. Mais pelo que podemos fazer dos nossos dois corpos.
_E não é isso o sexo?
_Também. Mas temos que ser realistas: não há um prazer pleno se o corpo de um, aos olhos do outro, é desagradável.
_Pode ser verdade. Mas já pensou que, e tratando o seu sonho como uma previsão da realidade efectiva, talvez não seja da natureza do seu namorado ser realmente tão “aceso” durante o sexo?
_E se for? Se for essa a sua natureza e ele a não tem comigo por causa do obstáculo que é o meu corpo?
_E se não for?
_Doutora, não sou grande adepto de charadas. E como lhe disse, a grande razão, agora o percebo, dos meus problemas, é o medo. A melhor maneira de resolver ou contornar um medo não é, penso, dizer que as coisas não se passarão da pior maneira, mas sim assumir que é da pior maneira que elas se vão passar. Pois se estamos a dizer que as coisas vão ser melhores do que eu imagino não estaremos realmente a enfrentar o meu medo, mas sim a ignorá-lo, dizendo que ele se não justifica.
_Bem visto. Reconheço-lhe algum talento para pensar…
_Ainda o grande problema é esse. Pensar de mais.
_Talvez. Mas vamos então supor que realmente a natureza do seu namorado é ser mais “aceso” no sexo, e que não o é consigo por causa do seu corpo.
_Pois.
_E assumamos também que numa situação triangular, o seu namorado efectivamente deixa essa natureza vir ao de cima através da presença de uma terceira pessoa. Como é que você fica?
_Como dizer? Fico… Revoltado. Ele não tem culpa que eu tenha o corpo que tenho. Mas gostava de ser eu a dar-lhe isso.
_Como é que vê essa relação do seu namorado consigo? Se me permite a observação, acho isso estranho. Não é gordo, não é feio…
_Concordo consigo. Não sou feio. Também não sou gordo. Já o fui. Isso deixa marcas. A forma que o corpo ganha é irreversível, fica sempre. Sou também um pouco flácido. Deixar de comer ou fazer dieta também não resolverá isso, apenas ginásio. Aliás, quando hoje me pesei, verifiquei que tenho quarto kilos a menos.
_E faz ginásio?
_Ainda não. Quero muito fazer. Mas não tenho tido paciência para procurar um ginásio perto de casa. Além disso, o amor não se define pela aceitação do outro, não como ele poderia ser, mas como ele é?
_É verdade. Mas também se define por cedências que melhorem a relação e a vida do outro. Ainda não percebi bem foi o problema do seu namorado com o seu corpo. Só me disse dele o historial…
_Acho, sinceramente, que ele não tem um problema com o corpo que eu tenho, mas sim com o corpo que eu não tenho. Penso que estará demasiado preso a uma ideia de corpo ideal, e não consegue gostar do meu por não corresponder.
_No seu caso, corresponde?
_Acredite que não, doutora. Em nada. Eu gosto de rapazes baixinhos, ele é da minha altura. Gosto de rapazes atléticos, ele é magro. Gosto de cabelos compridos, ele tem o cabelo curto. Gosto de olhos azuis, ele tem os olhos castanhos. Gosto de rapazes brancos, ele é moreno.
_E no entanto, isso não é obstáculo para si.
_Nenhum. Talvez que a pessoa que amemos seja afinal o contrário do que idealizávamos. Talvez deva mesmo ser assim, para nos ensinar a dificuldade.
_Dificuldade?
_Tem razão. Má escolha de palavra. Adversidade. Amamos a pessoa que nada tem a ver com o estereótipo que criámos para aprender que nada é linear.
_E ele não pensa assim?
_Acredita que nunca lhe perguntei? A única coisa que sei é que ele não gosta do meu corpo. Mas não consigo encontrar em mim nada que realmente faça do meu corpo tão horrendo assim que não consiga ser minimamente belo ou sensual.
_Talvez lhe devesse perguntar directamente isso.
_Talvez devesse. Mas para quê, se já sei que vou sair magoado?
_Vai?
_Vou. Talvez que o meu pânico à fala, à exposição dos problemas, se explique por aí mesmo. Mesmo sem saber qual será a resposta dos outros, já sei de antemão que eu é que vou sair magoado.
_Parece-me que fala com bastante facilidade dos seus problemas.
_Consigo é diferente. Não está aqui para me dar conselhos. Está aqui para me analisar. Não há uma relação pessoal entre nós. É quase como se, em vez de eu estar aqui, no seu consultório a desabafar consigo, estivesse a desabafar com uma folha de papel, escrevendo tudo isto.
_Porque não fala com ele sobre isto, mesmo assim?
_Talvez fale. Sabe que o facto de eu estar assim… com este aperto… torna tudo mais urgente.
_É?
_Completamente. Nunca me esqueço que a Amália dizia “Eu podia ser feliz… Mas, não sei… é uma coisa cá dentro…” às vezes sinto-me como ela.
_Muito bem. É chegada a minha vez de falar, e a sua de ouvir.

1 comentário:

Graça Martins disse...

e acaba assim? Fico à espera do resto... Quero mais.
Interessante focar o orgão no corpo que está mal - O CORAÇÃO. O paciente queixa-se do aperto no coração. O coração sangra ou vai sangrar. Mal de amor. Tudo muito simbólico.
Como resolver o problema do "medo". O medo às vezes também é desejo camuflado. Ter a coragem de atravessar a barreira e enfrentar os medos. Este conto no relato do sonho reflecte o DESEJO. A líbido solta e o medo da censura, penalização e o ciúme derivado da insegurança, ao sentirmos que podemos ser preteridos por outro objecto de desejo. Neste conto encontram-se muitos sinais de vária ordem. Sinais de projecção, de identificação, ciúme, medo, rejeição, desejo, angústia da perda do objecto de desejo, medo da solidão, da troca.
Nas personagens do conto existe o desejo de vagabundagem de que fala Roland Barthes - Ainda que todo o amor seja vivido como único e que o sujeito rejeite a ideia de mais tarde o repetir, o apaixonado surpreende por vezes em si uma espécie de difusão do desejo de amor; compreende então que está condenado a errar até à morte, de amor em amor.
"Fragmentos de um Discurso Amoroso", edições 70